Segundo especialistas do setor, vetos que cortaram o montante destinado à Agência Nacional de Mineração prejudicam atuação em barragens e garimpos ilegais. Apenas 31,3% dos cargos da ANM estão ocupados.
Foto: Sema-MT/Divulgação
Confirmado pelo governo Lula, o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro ao repasse de quase R$ 75 milhões para o aumento de salários e o provimento de 95 cargos na Agência Nacional de Mineração (ANM) impacta a fiscalização do setor mineral do país, o que inclui barragens e garimpos ilegais. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo Brasil 61.
De acordo com o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro, cerca de R$ 59,2 milhões seriam destinados para o reajuste salarial dos servidores da ANM. Outros R$ 14,8 milhões estavam autorizados para o reforço do quadro de pessoal.
Com os vetos presidenciais – saiba mais abaixo –, dois dos principais problemas que acompanham a agência desde a sua criação, como o número insuficiente de funcionários e remuneração defasada em relação a outras agências reguladoras federais, continuam sem solução.
Waldir Salvador, consultor de relações internacionais e desenvolvimento econômico da Amig (Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil) diz que o reduzido número de funcionários impede a ANM de cumprir com as suas atribuições.
“A estrutura está muito aquém da necessidade da agência de gerir minimamente o que ela precisa sobre a atividade de mineração brasileira, porque todo mundo esquece, fica falando de fiscalização, mas não é apenas fiscalização. A agência também tem o papel de regular e fomentar a atividade”, ressalta.
A ex-diretora da ANM, Debora Puccini, afirma que os salários defasados e a falta de concursos públicos para recompor o quadro de funcionários são problemas herdados desde antes de a agência existir, quando o setor ainda era regulado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). “Ou seja, o problema não aconteceu do dia para a noite. É um problema que vem se arrastando com os anos”.
Os especialistas argumentam que, ao passo em que o setor privado da mineração cresceu significativamente nas últimas décadas, o setor público encolheu. “A mineração aumentou muito e a conta não está fechando. O pessoal tem que analisar, fiscalizar, mas a conta não fecha. A gente tomou medidas de automatização e melhoria, mas mesmo assim precisa de gente. Minimamente”, diz a ex-diretora da ANM.
Waldir Salvador considera a falta de investimentos na Agência Nacional de Mineração um “erro gravíssimo” do governo federal. “Nós clamamos, pedimos, comprovamos e denunciamos há algumas décadas. A agência precisava ter três vezes o número de mão de obra que ela tem pra ela ter condição de ter uma regulação, uma fiscalização à altura”, avalia.
Segurança
Os casos recentes de rompimento das barragens em Mariana, que deixou 19 mortos, e Brumadinho, com 270 óbitos, reacenderam o alerta das autoridades quanto à fiscalização desses empreendimentos. Na última sexta-feira (3), a ANM anunciou a nomeação de 40 novos servidores que vão fortalecer a fiscalização das barragens de mineração no país.
A União foi obrigada pelo Ministério Público Federal (MPF) a realizar o concurso como medida para que a agência fizesse inspeção em todas as barragens de mineração consideradas inseguras ou com segurança inconclusiva. “Se não tivesse havido essa determinação da Justiça Federal que autorizou o setor de barragens da agência a contratar temporariamente algum pessoal, outros ‘Brumadinhos’ já tinham acontecido. Isso é seguro?”, questiona o consultor da Amig.
No entanto, as contratações servirão apenas para a fiscalização das barragens. “Foi bastante suado um concurso para barragens, mas isso não é suficiente, porque fiscalização não é só barragem. A agência não é restrita à barragem. A gente tem CFEM, outorga de títulos, implantação dos empreendimentos, os empreendimentos, a pesquisa, ou seja, são vários segmentos de fiscalização diferentes”, pontua.
Se novas contratações não forem feitas para suprir a fiscalização de outras atividades, algumas delas de risco para a população, como o garimpo ilegal, vão continuar sem o acompanhamento adequado.
“Veja esses problemas das terras indígenas, do garimpo. Você tem que estar sempre indo, voltando e averiguando de novo, porque hoje você sumiu com alguns, mas amanhã eles voltam. São atividades que você tem que ser constante. Pra isso tem que ter gente. Tem que ter maquinário, fotos aéreas, fotos de satélite, integração com outros órgãos. Não tendo funcionários preparados, você vai colocar em risco a população, qualquer que seja ela, indígena, quilombola, a gente mesmo, a vilazinha que está ali. Sempre vai ter alguém em risco”, afirma.
Impacto financeiro
Os prejuízos, segundo os especialistas, se estendem às contas públicas. De acordo com a Amig, o Brasil tem 24 mil títulos minerários ativos e, desse total, apenas 13 mil pagam a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais). A CFEM é uma contraprestação que as empresas mineradoras pagam à União, aos estados e aos municípios pela exploração dos recursos minerais. A ANM é a responsável por cobrar as empresas do setor.
Nas estimativas mais otimistas, o número de fiscais federais para acompanhar esse montante chega a, no máximo, dez funcionários. No ano passado, o poder público arrecadou cerca de R$ 7 bilhões com a CFEM, valor este que poderia ser consideravelmente superior, não fosse o vácuo fiscalizatório, diz Waldir Salvador.
“A CGU [Controladoria Geral da União] estima que há pelo menos R$ 1 de CFEM sonegado para cada R$ 1 que é pago. No ano passado, arrecadou R$ 7 bilhões. Se a CGU estiver certa, nós jogamos mais sete bi na lata de lixo. É ridículo”, critica.
Para Debora Puccini, não investir na modernização da agência e ampliação do quadro de pessoal sob a alegação de que faltam recursos é um contrassenso, porque mais funcionários conseguiriam acompanhar de perto as empresas e diminuir a sonegação dos chamados royalties da mineração, alega.
“Com certeza isso seria recuperado. Quando eu estava na gestão, não conseguia entender os argumentos de que não tinha orçamento. Como que não tem orçamento? A gente faz o orçamento. Eu fiz até um desafio ao Ministério de Minas e Energia, à Casa Civil: A gente consegue arrecadar isso [valor gasto com a ampliação do quadro] e repõe mais. Disseram assim: ‘ah, nós vamos ver’, mas não viram”.
Falta de recursos
Criada em 2017, a ANM substituiu o DNPM. A agência – vinculada ao Ministério de Minas e Energia – é responsável por regular, fomentar e fiscalizar a produção mineral no Brasil. No entanto, desde o início a ANM sofre com restrições orçamentárias. Em 2018, seu primeiro ano de funcionamento, apenas 34% do orçamento de R$ 909 milhões da agência foram empenhados. Nos anos seguintes, o órgão também sofreu com bloqueio de recursos.
A agência tem 2.121 cargos. Ao Brasil 61, a ANM afirmou que apenas 664 estão ocupados. Há, portanto, 1.457 cargos vagos na agência, o que corresponde a 68,7% da força de trabalho para que a ANM funcione como projetado inicialmente.
Além disso, os funcionários da Agência Nacional de Mineração recebem, em média, 49% a menos do que os servidores das outras dez agências reguladoras federais, de acordo com o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação, o Sinagências.
Entenda os vetos
Em agosto do ano passado, o governo federal enviou ao Congresso Nacional uma medida provisória (MP) que autorizava a participação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares. A criação de cargos na ANM e a equiparação da remuneração de seus servidores à de funcionários de outras agências reguladoras não estavam no texto inicial, mas foram incluídas por meio de emendas.
A MP 1.133/2022 foi aprovada no Senado em dezembro e seguiu para sanção do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ao sancionar a medida no antepenúltimo dia de governo, Bolsonaro vetou os dispositivos que garantiriam os recursos necessários para a criação dos cargos e o reajuste salarial.
Segundo o ex-presidente, embora de “boa intenção”, as mudanças foram barradas por três motivos: eram inconstitucionais, uma vez que são de iniciativa exclusiva do presidente da República leis que criam cargos e aumentam remuneração de servidores da União; contrariavam o interesse público, porque a MP enviada pelo governo não previa esses dispositivos; e eram nulas, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o aumento de despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao final do mandato do chefe do Poder Executivo.
Ocorre que uma semana antes o Congresso Nacional havia aprovado o orçamento para o ano de 2023, que autorizava R$ 59.202.413 para a equiparação salarial e R$ R$ 14.893.412 para os novos cargos na agência. O texto, inclusive, citava a MP.
Cesar Lima, especialista em orçamento, explica o impasse em torno dos recursos que iriam para a ANM. “Quando a LOA foi aprovada, existia o recurso. No caso dessa MP, ela já tinha sido votada quando a LOA foi aprovada. Ela estava para sanção do presidente. Só que no ato da sanção, ele vetou essa parte do fundo e deixou a descoberto aquelas despesas previstas na LOA. Então, o novo governo não teve outra saída a não ser vetar aquelas linhas de despesa”.
Ao sancionar o orçamento para 2023, no dia 17 de janeiro, o governo Lula vetou o uso dos recursos para o aumento de despesa com pessoal na ANM, justificando que eles se tornaram inviabilizados com o veto do governo anterior. Na prática, o argumento é de que não se pode destinar verba para custear algo que não existe oficialmente.
Fonte: Brasil 61