Por Richelson Xavier
Um vídeo circula pelas redes sociais. Nele, um pastor – cujo nome, igreja e cidade são, de propósito ou não, apagados do debate – orienta fiéis sobre como devem se posicionar no culto para “gerar emoção” na plateia. “A gente coloca em lugares diferentes da igreja e aí durante a pregação eu vou dando o sinal”, ele diz, como um diretor encenando uma peça de teatro. A cena, capturada por uma câmera escondida, é chocante, mas não é surpreendente. Ela não é a exceção; é a revelação grotesca de uma regra que se espalha silenciosamente: a profissionalização da manipulação da fé.
Ao me debruçar sobre o caso, confesso que a minha primeira reação foi a de querer encontrar os detalhes: qual o nome desse pastor? Onde foi isso? A data? Rapidamente, percebi que focar nesses detalhes era cair exatamente na armadilha que ele mesmo representa. Buscar o indivíduo é uma forma de nos tranquilizarmos, de acreditar que se trata de um “mal isolado”, um “lobo solto” que, uma vez identificado, nos deixa a salvo. A verdade, porém, é que aquele vídeo é um sintoma de uma doença muito maior e endêmica no Brasil. Ele é o retrato sem retoques de uma realidade que vem acontecente de forma constante: o surgimento de empresários da fé, e não líderes religiosos.
O que esse episódio revela, de forma crua, é o quanto uma parte da nossa sociedade está sendo dominada por narrativas inventadas. Essa estratégia não nasce no púlpito; ela é importada dos manuais de marketing digital e dos gabinetes de política profissional. Seja no âmbito religioso ou no político, a lógica é a mesma: criar uma emoção coletiva, um fervor irracional, que anule o pensamento crítico e garanta a adesão cega do público. É a encenação do milagre, a coreografia do êxtase, tudo calculado para produzir o resultado desejado – que, invariavelmente, se traduz em poder e dinheiro.
E é aqui que chegamos ao cerne da questão: a informação. Ou a falta dela. A arma mais poderosa desses “lobos” é a ignorância que eles mesmo cultivam. Eles não querem fiéis estudados, congregantes que leem, questionam e buscam entender a doutrina por si só. Eles querem uma plateia, um rebanho passivo que obedece a um sinal e chora sob comando. Sem informação, o cidadão vira um território fértil para a exploração. Ele troca a sua autonomia pela promessa vazia de um milagre que nunca chega.
Lembro-me da frase do escritor norte-americano John Naisbitt que ecoa com uma precisão assustadora para os nossos dias: “A nova fonte de poder não é o dinheiro nas mãos de poucos, mas informação nas mãos de muitos.” Ele previu a nossa era, mas talvez não imaginasse a batalha feroz que seria travada para manter essa fonte de poder longe das mãos de muitos. O que vemos é justamente o contra-ataque: a desinformação, o emocionalismo barato e a encenação sendo usados como ferramentas para sequestrar a fé e o voto, mantendo o poder real – sim, inclusive o dinheiro – firmemente nas mãos de poucos.
O debate, portanto, não pode se resumir a condenar um pastor anônimo. Ele deve ser um espelho para nós. Precisamos questionar que tipo de fé estamos cultivando e que tipo de líderes estamos sustentando. A salvação, neste caso, não virá de um sinal divino, mas de uma atitude profundamente humana: a de nos armarmos com ceticismo, estudo e uma busca incansável pela verdade. Só assim deixaremos de ser plateia e nos tornaremos, de fato, uma comunidade.
