Enquanto precisamos nos preocupar com os efeitos que a pandemia deixou e toda essa insegurança econômica do futuro, ativistas turbinam uma guerra cultural.
Por Rebeca Romero
Enquanto precisamos nos preocupar com os efeitos que a pandemia deixou e toda essa insegurança econômica do futuro, ativistas turbinam uma guerra cultural. A idéia de uma nova linguagem vem se multiplicando pelo mundo em função dos esforços de ativistas para “neutralizar” o vocabulário. Ou seja, eliminar palavras que possam ser percebidas, ainda que remotamente, como ofensivas a parte da população. E como essas categorias não cessam de se fragmentar, à medida que múltiplas novas “identidades” são reivindicadas, assiste-se a uma ofensiva delirante contra um dos pilares básicos da civilização: a língua. O instrumento de comunicação por excelência que nos diferencia como humanos, base da cultura e da sociedade.
A substituição dos pronomes ele e ela pelos neologismos todes tem sido criticada por estes não serem reconhecidos por softwares de leitura de tela dos computadores, o que discrimina disléxicos e cegos, então, essa “neolinguagem inclusiva” muitos ainda ficariam de fora. A idéia de um novo idioma, no qual o a e o dos artigos e pronomes masculino e feminino são trocados por e ou u, abrangeria todos os chamados gêneros não binários. Alguns defendem que seja adotada como norma-padrão, dir-se-ia, por exemplo: “elu é muito bonite”, em vez de “ela é muito bonita”; e “todes gostam de irmén e du amigue delu”, em vez de “todos gostam da irmã e do amigo dele”. Seriam incorporados também neologismos estapafúrdios — como o malfadado “presidenta”, de triste memória.
Não se trata, portanto, de abolir palavrões ou impropérios. Mas quando se abre a possibilidade de qualquer um reinventar o idioma, reescrever obras artísticas e policiar a cultura a pretexto de defender os direitos das minorias, entra-se inapelavelmente num terreno perigoso. Essa idéia tem sido fomentada sobretudo nos meios acadêmicos, artísticos e intelectuais, no contexto da crescente polarização política entre direita e esquerda. Ou melhor, entre conservadores e liberais e os autointitulados progressistas.
A idéia camuflada dentro do que chamamos de politicamente correto é uma forma de censura que avança sorrateiramente, sem se assumir como tal, em nome da defesa do direito. A história não deveria ser essencialmente uma disputa entre grupos, sendo alguns deles opressores, e outros, oprimidos. Por trás dessas disputas aparentemente periféricas, trava-se na verdade uma guerra cultural. Cujo objetivo evidente, embora não declarado, é impor às maiorias silenciosas a concepção ideológica de mundo de minorias ativistas. Eles acreditam que se mudarem as estruturas culturais mudarão a sociedade. E acho que não será bem assim.
A meu ver o “politicamente correto” não se mostra eficaz no combate à discriminação que preconiza a guerra cultural, configura uma migração da luta entre direita e esquerda, travada historicamente no campo da política e de questões substantivas, para o território mais rarefeito da cultura e do comportamento. Pois em vez de pôr o foco na ação política concreta, mais árdua e laboriosa, prefere atuar no palco performático da mídia. Ao criar polêmicas irrelevantes e muitas vezes risíveis, acaba também por deslegitimar e prejudicar a justa causa contra a discriminação. Porém seu ponto mais vulnerável é a natureza totalitária, já que está cada vez mais difícil tolerar, a esta altura da história, a perseguição contra opiniões políticas divergentes.
Rebeca Romero é Jornalista, com extensão em Antropologia Social e Cultural pela Universidade de Harvard, MBA em marketing pela USP e especialização em política e estratégia pela ADESG.
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