STF decidiu que o porte de maconha não é crime e que deve ser caracterizado como infração administrativa, sem consequências penais.
Foto: Arquivo/Agência Brasil
Mesmo em pequenas quantidades, liberar o consumo da maconha pode agravar problemas de segurança e saúde públicas. A opinião é do advogado e professor de direito penal e processo penal Elias Miller. Como especialista na área, ele acredita que a substância é um dos caminhos que levam ao tráfico no Brasil e no mundo, pois entende que uma das principais fontes de renda do crime organizado é o tráfico de drogas.
“O tráfico de drogas, o crime organizado, se utilizam disso como mãe para todos os outros crimes. Pelo tráfico, nós temos crime organizado, lavagem de dinheiro, homicídios. Então inúmeros outros crimes são apêndices ou anexos do tráfico. O crime organizado e o tráfico estão tomando conta do país, como o próprio PCC, Primeiro Comando da Capital, que é o crime organizado que mais cresce no mundo e arrecada por ano 1 bilhão só no Brasil”, relata.
O assunto chegou ao Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que descriminalizou o porte de maconha para consumo pessoal. Por maioria, o colegiado definiu que será considerado usuário quem adquirir, guardar, depositar ou transportar até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas – são elas que dão origem às flores com o princípio ativo responsável pelo efeito alucinógeno da droga.
O advogado especialista em direito penal Marcus Gusmão explica que o STF estabeleceu a quantidade fazendo uma interpretação que deveria ser colocada pelo legislador na lei.
“Ela não consta na lei, mas é aí uma quantidade que o Supremo, baseado em alguns estudos técnicos, em alguns protocolos de saúde pública e baseado em estatísticas, entendeu que não poderia ser enquadrada como crime”, menciona.
Aumento do tráfico
Para o professor Elias Miller, liberar a maconha para uso pessoal apenas para diferenciar usuário de traficante não resolve o problema em nenhum local do mundo.
“A questão da droga, de fato, é a saúde pública. Mas é uma saúde pública provocada pelo crime. Então, quem tem alguém na família com droga, drogado, sabe o que é e acaba com a família. Portanto, essa decisão não vai resolver nunca o problema e acredito que só vai ampliar. É só nós verificarmos como é que está a ramificação do PCC e o Comando Vermelho, que estão dominando as comunidades.
O especialista diz que o Brasil precisa observar os países onde a substância chegou a ser liberada, mas acabaram voltando atrás, após perceberem as consequências do uso da droga.
“O primeiro a liberar foi o estado de Oregon, nos Estados Unidos, e que reverteu. Porque eles perceberam que isso fez com que aumentasse o tráfico e, ao mesmo tempo, a quantidade de pessoas com overdose. Então nós não precisamos inventar a roda, basta verificarmos os países que tentaram fazer isso”, reclama.
Riscos para a saúde
Ao analisar o cenário não apenas pela questão da segurança pública e do tráfico de drogas, o médico psiquiatra Fabio Aurélio Costa Leite entende que a substância também pode ser prejudicial para a saúde de quem consome.
“A maconha, ela tem um componente que é o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol (THC). O Cannabidiol via de regra não tem tanta repercussão, não faz prejuízo, ele não é psicoativo. Ele pode dar uma sensação de bem-estar, de calma, de tranquilidade. O THC é o componente psicoativo da maconha que realmente é o perigoso. Ele pode provocar um quadro psicótico, levar um indivíduo a abrir um quadro de alucinação, de delírio, principalmente adolescentes, jovens, que ainda tem o cérebro em formação”, explica.
Mas as consequências não param por aí. O psiquiatra ainda acrescenta: “Quanto mais pessoas usam de forma frequente e em uma quantidade maior, elas têm o risco de perder um pouco a memória, ficar, digamos assim, ‘emburrecidos’. Não é a memória, é a capacidade intelectual. Então é uma alteração que a gente já sabe que acontece. O uso crônico deixa o indivíduo com uma perda de aprendizado, ele fica um pouco mais lento mentalmente”, ressalta.
O médico Fábio Aurélio Costa Leite revela que já existem vários problemas que não foram resolvidos com os pacientes que já usam maconha e já tem problema com maconha.
“Nós temos uma assistência em saúde mental no Brasil muito precária, com falta de leitos, falta de profissionais, a gente está vendo uma série de questões de crise na saúde e na psiquiatria, principalmente. Nós temos um número muito grande de suicídios, então tem que pensar muito nisso, pessoas que têm acesso à maconha também podem ter uma perda de crítica, uma perda da capacidade de decisões e isso pode ser realmente um problema para quem está com ideia suicida ou tratando para depressão”, mostra preocupação do psiquiatra.
A mais recente edição do Relatório Mundial sobre Drogas da Organização das Nações Unidas (ONU) mostra que os problemas decorrentes do consumo de drogas se agravaram em todo o mundo ao longo de 2022. De acordo com os dados, 292 milhões de pessoas consumiram alguma substância psicoativa, um aumento de 20% em dez anos. A consequência: um aumento nos transtornos associados ao uso, conforme destaca o médico psiquiatra Luan Diego.
“Antigamente era sinalizado que maconha não gerava dependência, mas hoje os estudos apontam, sim, que ela apresenta sintomas que envolvem dependência, como intolerância, o indivíduo acaba necessitando de doses maiores para ter o mesmo efeito, prejuízo social, acadêmico, profissional, porque a maconha, como ela atrapalha aspectos cognitivos, então a atenção desse divido fica afetada, a concentração e as funções de raciocínio podem ficar afetados, então nitidamente isso atrapalha a funcionalidade acadêmica e profissional a partir desse uso crônico”, alerta.
Recurso no STF
O advogado especialista em direito penal Marcus Gusmão lembra que apenas a quantidade será o limite para caracterizar o caso de porte para uso individual.
“A maconha não foi legalizada, apenas o porte para consumo pessoal com quantidades de até 40 gramas e que não tem contexto de tráfico. Essas serão consideradas descriminalizadas”, salienta.
O STF entendeu que o porte de maconha não é crime e que deve ser caracterizado como infração administrativa, sem consequências penais. Afastando o registro na ficha de antecedentes criminais do usuário. As sanções, nesse caso, seriam advertência sobre os efeitos da maconha e comparecimento à programa ou curso educativo (incisos I e III do artigo 28 da Lei de Drogas) e aplicadas em procedimento não penal.
No mesmo dia em que o Supremo decidiu descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de uma comissão especial para discutir a Proposta de Emenda à Constituição 45/23, que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga.
A PEC 45/23 é oriunda do Senado e já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Se a PEC passar, a criminalização do usuário passa a integrar a Constituição e estará acima da Lei Antidrogas, de acordo com os parlamentares.
Fonte: Brasil 61